Que o metrô está pegando fogo, quebrando, caro e lotado a gente já sabe, mas a notícia é q ue a governadora Raquel Lyra (PSDB-PE) está avançando nos planos de privatização não só da COMPESA, mas também do metrô do Recife. Atualmente, o metrô do Recife é gerido pelo Governo Federal que já sinalizou positivamente para a concessão do metrô às empresas.
Já os ônibus, são geridos pelo Grande Recife Consórcio de Transportes, criado em 2008 após o fim da Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos (EMTU). Atualmente, nove empresas fazem parte deste consórcio. MobiBrasil, Borborema, Caxangá e Conorte são algumas destas empresas.
Impactos da privatização no transporte público
Embora o discurso inicial para justificar a privatização seja o de aprimorar o transporte, a ausência de regulação adequada e fiscalização eficaz têm resultado em serviços precários, atrasos, superlotação e veículos em más condições de uso como já vimos na experiência dos ônibus, mas também do metrô e trens em outros estados como em São Paulo.
A privatização é onerosa para o bolso do estado e dos usuários e usuárias. Em São Paulo, no ano de 2023, a linha 4 recebeu 208 milhões de subsídios do governo do estado, mesmo sendo privatizado. Segundo o Sindicato dos Metroviários de São Paulo, agora em 2024, a Assembleia Legislativa aprovou a contratação de mais de 10 bilhões para projetos sobre trilhos em SP, ou seja, mais dinheiro público nas mãos dos empresários.
Grande parte das empresas privadas priorizam a redução de custos operacionais em detrimento da experiência e segurança do usuário, criando insatisfação e descontentamento generalizado, que incidem na qualidade de vida do trabalhador. Adicionalmente, a privatização pode aumentar a fragmentação do sistema de transporte. A entrada de múltiplas empresas no mercado influencia a falta de integração entre linhas e modos de transporte, prejudicando a eficiência do sistema como um todo.
Os anseios de maximização de lucros das empresas, que leva ao aumento das tarifas e à redução de linhas, atinge diretamente a classe trabalhadora, especialmente, a população mais pobre e periférica. Essa lógica mercadológica prejudica moradores de morros e de áreas rurais, que dependem de linhas com baixa rentabilidade econômica. Diante disso, a privatização amplia as desigualdades ao dificultar o acesso ao transporte para a classe que mais precisa.
Transformar um direito essencial, como o transporte público, seja metrô, trem ou ônibus, em mercadoria, passível de ser vendida e controlada por empresas, potencializa as desigualdades e compromete o bem-estar coletivo. As tarifas, as catracas e má qualidade dos serviços, limitam o direito de ir e vir na cidade e afeta o acesso a outros serviços como educação, saúde e lazer.
Os dados da Associação Nacional de Empresas de Transportes Urbanos (NTU) informam, por exemplo, que houve uma redução significativa dos deslocamentos coletivos em todas as classes sociais. Mas essa redução está concentrada nas classes C e D/E, ou seja, na população mais pobre. A pesquisa revela que esse cenário pode ser explicado pelo “aumento da informalidade no mercado de trabalho brasileiro, apesar da redução da taxa de desocupação revelada pelos dados do IBGE. Essa situação pode ter provocado a redução da quantidade de trabalhadores contemplados com o benefício do vale-transporte”. É inegável também os impactos da pandemia e também da plataformização de serviços como o 99, uber e Indrive para a redução do uso de transportes coletivos.
Precarização e violência
A Pesquisa "Viver em São Paulo: Mulheres" da Rede Nossa São Paulo revelou em 2023 que 67% das moradoras de São Paulo já sofreram algum tipo de assédio, isso representa mais de 3,8 milhões de paulistanas. 45% delas também compartilharam terem sido vítimas de assédio dentro do transporte coletivo.
Neste ano, em Recife, o jovem estudante de 20 anos, Gean Carlos, foi assassinado dentro de um BRT após um assalto. Gean deixou a casa da família, em Caruaru, para estudar e morar na capital. Trabalhava como operador de caixa em uma casa de show.
Soluções
Quando o transporte público é gerido diretamente pelo Estado, há maior possibilidade de alinhar as operações aos objetivos sociais, como acessibilidade universal e sustentabilidade ambiental. Com a privatização, essa prerrogativa some e, e as decisões passam a ser guiadas pelos interesses financeiros das empresas gestoras. Essa dinâmica dificulta demasiadamente a implementação de políticas públicas voltadas para o transporte sustentável, como a priorização de veículos coletivos e menos poluentes e a expansão de redes de transporte em áreas de menor densidade populacional.
David Banister, da Unidade de Estudos de Transporte da Escola de Geografia e Meio Ambiente de Oxford, argumenta que a situação está insustentável e que os transportes devem contribuir para alcançar as metas de redução de carbono. Para ele, a chave está na gestão da procura (tarifação, estacionamento e controle de acesso, cobrança de congestionamento), no investimento em transporte público, prioridade para caminhadas e ciclismo e medidas destinadas a reduzir o uso do carro. Apesar de desatualizados, os dados analisados por Banister mostram que os EUA, por exemplo, em 10 anos, aumentou suas emissões de CO² em 14%. Com apenas 5% da população mundial vivendo nos EUA, 30% dos carros produz 45% das emissões globais provenientes de automóveis (2006).
A luta pela estatização do transporte público precisa incluir a participação social através de conselhos democráticos que reúnam trabalhadoras e trabalhadores rodoviários, metroviários e também usuários e usuárias do transporte. Sendo esta uma forma de pautar se diretamente a qualidade do transporte, as linhas, frota, horários, correspondendo assim, às reais demandas de quem utiliza o transporte público que é classe trabalhadora.
Atualmente, a partir de lei assinada pelo ex governador Eduardo Campos (PSB), o Comitê de Acompanhamento e Fiscalização das Contas, por exemplo, é composto por 01 representante dos usuários, escolhido mediante consenso entre os representantes das pessoas com deficiência, dos estudantes e outros usuários do STPP/RMR; 01 representante dos concessionários; 01 representante do Tribunal de Contas do Estado; 01 representante da Secretaria da Controladoria Geral do Estado; 01 representante do Ministério Público do Estado; 01 representante da CBTU; e 01 representante de cada um dos entes consorciados do CTM.
Em diversos países, aumentos tarifários promovidos por empresas privadas têm desencadeado manifestações de larga escala, evidenciando o impacto social negativo da gestão puramente mercadológica do transporte público. Esses episódios refletem a percepção de que o transporte deve ser tratado como um direito e não como uma mercadoria.
Um exemplo recente ocorreu na Alemanha, na última décanica, a ideia de "Transporte Público Local Livre" (Gratis-ÖPNV) ou "Tarifa Zero para o Transporte Público Local" (Nulltarif im ÖPNV) ganhou força nos debates sobre mobilidade urbana e justiça social, a partir da mobilização popular. De acordo com Judith Dellheim, pesquisadora da Fundação Rosa Luxemburgo, essa proposta prevê a isenção total das tarifas para ônibus, bondes, metrôs e trens de superfície, com financiamento baseado em um modelo solidário. A iniciativa reflete uma crescente percepção de que a mobilidade deve ser tratada como um direito universal e não como um privilégio restrito a quem pode pagar.
Cerca de metade da população alemã apoia o modelo de passe livre, demonstrando um forte respaldo social para sua implementação. Esse apoio evidencia um anseio por soluções que promovam a equidade no acesso ao transporte, reduzam as emissões de carbono e fortaleçam os sistemas públicos de mobilidade. A ideia de financiar o transporte público por meio de recursos solidários, como impostos progressivos ou taxas sobre grandes poluidores, encontra respaldo especialmente entre setores progressistas, como o partido "A Esquerda" (Die Linke), que utiliza essa pauta em suas discussões sobre alternativas sustentáveis e inclusivas para o futuro.
Iniciativas anteriores, como o "Bilhete de 9 Euros" implementado temporariamente em 2022, trouxeram esclarecimentos valiosos sobre o impacto de políticas de tarifa reduzida na Alemanha. Durante três meses, milhões de cidadãos aproveitaram o transporte público ilimitado por um preço acessível, resultando em uma queda significativa no uso de automóveis, menos congestionamento urbano e emissões de gases poluentes. O sucesso dessa medida transitória reacendeu debates sobre a viabilidade do transporte público gratuito e abriu caminho para propostas mais estruturais, como o Deutschlandticket, que oferece viagens ilimitadas por 49 euros mensais.
Um outro movimento de grande repercussão que eclodiu no final da última década, consiste nos “Coletes Amarelos” (Gilets Jaunes), onde em 2018 ganhou força como uma resposta ao aumento do preço dos combustíveis e à percepção de injustiça fiscal que penalizava desproporcionalmente as classes trabalhadoras e periféricas. Um dos principais pilares das reivindicações dos Coletes Amarelos foi a mobilidade acessível, em que o aumento do preço dos combustíveis destacou a dependência de automóveis nas áreas rurais e suburbanas da França, onde a infraestrutura de transporte público é insuficiente ou ausente. Diante desse cenário, o movimento passou a criticar não apenas o custo do transporte individual, mas também a falta de investimentos em sistemas públicos que pudessem oferecer alternativas acessíveis e sustentáveis à população.
Os Coletes Amarelos exigiram melhorias no transporte público, incluindo a ampliação de linhas, maior frequência de veículos e redução de tarifas. Essas reivindicações refletem a necessidade de garantir que tanto as populações urbanas quanto as periféricas tenham acesso equitativo à mobilidade, que é fundamental para a integração social e econômica. Além disso, o movimento denunciou a concentração de investimentos em grandes centros urbanos em detrimento de áreas menos densamente povoadas, reforçando a exclusão de comunidades já marginalizadas, cenário bastante comum também em solo brasileiro.
Apesar do governo frânces não dar espaço para debate com o movimento, houve uma importante grande pressão para o referido governo adotar medidas que incluíram revisões fiscais e novos debates sobre transporte e mobilidade. Ademais, o governo francês recuou diante da pressão popular e suspendeu o aumento do imposto sobre combustíveis, uma das principais demandas iniciais do movimento. Essa vitória demonstrou a força da mobilização e impediu que famílias de baixa e média renda enfrentassem ainda mais dificuldades financeiras, especialmente nas áreas rurais e suburbanas, onde o uso de automóveis e transporte alternativo é essencial, justamente em razão da falta de transporte público eficiente. Assim, apesar de as mudanças estruturais no transporte público ainda estarem em andamento, os Coletes Amarelos conseguiram evidenciar a necessidade de investimentos em mobilidade inclusiva, especialmente para as populações de áreas periféricas e rurais, que dependem de transporte público de qualidade para acessar serviços e empregos.
Entre 2013 e 2016, a Frente de Luta pelo Transporte Público em Recife e região cumpriu um importante papel na luta contra os aumentos tarifários anuais promovidos pelas empresas junto ao governo do PSB. A FLTP realizou panfletagem em terminais de ônibus mesmo com repressão da segurança dos terminais e da polícia, realizou grandes atos que causaram impacto na época. De lá pra cá, essa luta recuou mesmo diante de toda essa precarização e com uma maior capacidade de luta já que, nos últimos anos, o próprio Sindicato dos Rodoviários foi dirigido numa perspectiva mais combativa.
No Brasil, já existem 136 cidades com tarifa zero nos ônibus. Maricá, no Rio de Janeiro, cidade com mais de 100.000 habitantes é uma delas. Um dos principais impactos é a economia de 20% na renda mensal das famílias além de ser uma economia para os cofres públicos. São 135 ônibus e 42 linhas que podem ser usados por moradores e visitantes. É fundamental olharmos estas experiências refletindo também a forma que o transporte é subsidiado e gerido.
É nossa tarefa enquanto partidos de esquerda e movimentos sociais diversos, revitalizar o debate e a militância ativa em torno de um transporte 100% público, gratuito, acessível, sustentável e de qualidade. Com uma gestão que priorize o interesse coletivo, com forte regulação e participação ativa da sociedade, principalmente dos trabalhadores e trabalhadoras do transporte. Pra isso, não precisamos separar a luta do transporte, por exemplo, da luta feminista, antirracista e socialista já que, é justamente a população negra, as mulheres e classe trabalhadora que bota os transportes coletivos pra funcionar e também somos as principais usuárias e usuários.
Nossa Luta
Por Tarifa zero;
Pela estatização das empresas de transporte público sob controle democrático das categorias e usuárias(os);
Pela abertura das contas das empresas do transporte público;
Para que a Política Municipal de Mobilidade Urbana do Recife seja executada;
Por um planejamento modal de transporte que considere a redução das emissões de gases poluentes;
Por um modelo de mobilidade urbana inclusivo, que atenda diversas categorias de transporte;
Por solidariedade ativa e unidade na luta entre movimentos feministas, antirracistas e à luta das trabalhadoras e trabalhadores metroviários e rodoviários por melhores condições de trabalho;
Por sindicatos de luta, combativos e independentes dos patrões e dos governos!
Construir o socialismo revolucionário como alternativa para a sociedade e por um governo verdadeiramente das trabalhadoras e dos trabalhadores.
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